segunda-feira, 23 de abril de 2012

Pochmann: Pobres que trabalham e estudam têm jornada maior que operários do século XIX

por Fernando César Oliveira, site da UFPR, sugestão de Luana Tolentino

O economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), classificou ontem à noite em Curitiba como “heróis” os brasileiros de famílias pobres capazes de conciliar o trabalho com o estudo.
“No Brasil, dificilmente um filho de rico começa a trabalhar antes de terminar a graduação ou, em alguns casos, até mesmo a pós-graduação”, observou Pochmann.
“Os brasileiros pobres que estudam e trabalham são verdadeiros heróis. Submetem-se a uma jornada de até 16 horas diárias, oito de trabalho, quatro de estudo e outras quatro de deslocamento. Isso é mais do que os operários no século XIX.”
O presidente do Ipea foi um dos palestrantes na abertura da terceira edição do Seminário Sociologia & Política, ao lado da professora Celi Scalon (UFRJ), no Teatro da Reitoria da UFPR. “Repensando Desigualdades em Novos Contextos” é o tema geral do seminário. Promovido pelos programas de pós-graduação em Sociologia e em Ciência Política da instituição, o evento termina nesta quarta-feira (28).
Pochmann lembrou que o Brasil levou cem anos, desde a proclamação da República, em 1889, para universalizar o acesso das crianças e adolescentes ao ensino fundamental. “Mas esse acesso foi condicionado ao não crescimento dos recursos da educação, que permaneceram em torno de 4,1% ou 4,3% do PIB. Sem ampliar os recursos, aumentamos as vagas com a queda da qualidade do ensino.”
Essa universalização do ensino fundamental, no entanto, não significa que 100% dos brasileiros em idade escolar estejam estudando. Segundo dados apresentados pelo dirigente do Ipea, ainda existem 400 mil brasileiros com até 14 anos fora da escola. Se essa faixa etária for estendida para 16 anos, a cifra salta para 3,8 milhões de pessoas.
“A cada dez brasileiros, um é analfabeto. E ainda temos cerca de 45% analfabetos funcionais. É muito difícil fazer valer a democracia com esse cenário.”
Em sua fala, Marcio Pochmann também abordou temas como a redução da taxa de fecundidade das mulheres brasileiras, o crescimento da população idosa, o monopólio das corporações privadas transnacionais e a concentração da propriedade da terra.
“O Brasil não fez uma reforma agrária, não democratizou o acesso à terra. Temos uma estrutura fundiária mais concentrada do que em 1920, com o agravante de que parte dela está nas mãos de estrangeiros”, afirmou o economista. “De um lado, 40 mil proprietários rurais são donos de 50% da terra agriculturável do país, e elegem de 100 a 120 deputados federais. De outro, 14 milhões trabalhadores rurais, os agricultores familiares, elegem apenas de seis a dez deputados.”
Para Marcio Pochmann, a desigualdade é um produto do subdesenvolvimento. “Não que os países desenvolvidos não tenham desigualdade, mas não de forma tão escandalosa.”
Nem revolucionário, nem reformista
Segundo o presidente do Ipea, a participação dos 10% mais ricos no estoque da riqueza brasileira não mudou nos últimos três séculos. Permanece estacionada na faixa percentual em torno de 70 a 75%.
“Somos um país de cultura autoritária, com 500 anos de história e menos de 50 anos de vivência democrática. O Brasil não é um país reformista e muito menos revolucionário”, sentencia Pochmann. “A baixa tradição de uma cultura partidária capaz de construir convergências nacionais nos subordina a interesses outros que não os da maioria da população.”
Marcio Pochmann afirmou que os ricos não pagam impostos no Brasil. “Quem tem carro, paga IPVA. Quem tem lancha, avião ou helicóptero, não paga nada. E o ITR [Imposto Territorial Rural] é só pra inglês ver”, exemplificou. “Quem paga imposto no Brasil são basicamente os pobres.”
Um estudo do Ipea teria demonstrado que os moradores de favelas pagam proporcionalmente mais IPTU do que os brasileiros que vivem em mansões. “Quem menos paga é quem mais reclama de imposto. Tanto que impostômetro foi feito no centro rico de São Paulo.”
Pochmann observa que o tema das desigualdes não gera manifestações, não gera tensão. “Não há greve em relação às desigualdades.”
Trabalho imaterial
Na avaliação de Márcio Pochmann, a sociedade mundial está cada vez mais assentada no que ele chama de “trabalho imaterial”, associado a novas tecnologias de informação, como aparelhos celulares e microcomputadores. “O trabalhador está cada vez mais levando trabalho pra casa.”
Essa sociedade do trabalho imaterial, conforme o dirigente do Ipea, pressupõe uma sociedade que tenha como principal ativo o conhecimento. “Pressupõe o estudo durante a vida toda, e o ensino superior apenas como piso.”
Pochmann criticou ainda a forma como a comunidade acadêmica tem tratado o tema das desigualdades no país. “O tema tem sido apresentado de forma muito descritiva e pouco de enfrentamento real e efetivo. Em que medida a discussão está ligada a intervenções efetivas, a políticas que possam de fato alterar a realidade como a conhecemos?”
Na avaliação dele, a fragmentação e a especialização das ciências sociais aprofundariam o quadro de alienação sobre o problema das desigualdades.
“As pesquisas não mudam a realidade. Quem muda a realidade é o homem. Agora, as pesquisas, as teorias mudam o homem. Se mudarem o homem, ele muda a realidade. Nada nos impede de fazer isso, a não ser o medo, o medo de ousar".

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O papa e o marxismo

Olá, juventude!

Destacamos o texto do frei Betto, não reivindicando o autor e sim o geral do conteúdo do texto exposto, segue uma contribuição para discutir o marxismo e o que fizeram em nome dele no século XX, o capitalismo e a necessidade urgente de superá-lo.

Saudações socialistas de luta,

Juventude do Espaço Socialista



O papa e o marxismo
Frei Betto

O papa Bento XVI tem razão: o marxismo não é mais útil. Sim, o marxismo conforme muitos na Igreja Católica o entendem: uma ideologia ateísta, que justificou os crimes de Stalin e as barbaridades da revolução cultural chinesa. Aceitar que o marxismo conforme a ótica de Ratzinger é o mesmo marxismo conforme a ótica de Marx seria como identificar catolicismo com Inquisição. Poder-se-ia dizer hoje: o catolicismo não é mais útil. Porque já não se justifica enviar mulheres tidas como bruxas à fogueira nem torturar suspeitos de heresia. Ora, felizmente o catolicismo não pode ser identificado com a Inquisição, nem com a pedofilia de padres e bispos.
Do mesmo modo, o marxismo não se confunde com os marxistas que o utilizaram para disseminar o medo, o terror, e sufocar a liberdade religiosa. Há que voltar a Marx para saber o que é marxismo; assim como há que retornar aos Evangelhos e a Jesus para saber o que é cristianismo, e a Francisco de Assis para saber o que é catolicismo.
Ao longo da história, em nome das mais belas palavras foram cometidos os mais horrendos crimes. Em nome da democracia, os EUA se apoderaram de Porto Rico e da base cubana de Guantánamo. Em nome do progresso, países da Europa Ocidental colonizaram povos africanos e deixaram ali um rastro de miséria. Em nome da liberdade, a rainha Vitória, do Reino Unido, promoveu na China a devastadora Guerra do Ópio. Em nome da paz, a Casa Branca cometeu o mais ousado e genocida ato terrorista de toda a história: as bombas atômicas sobre as populações de Hiroshima e Nagasaki. Em nome da liberdade, os EUA implantaram, em quase toda a América Latina, ditaduras sanguinárias ao longo de três décadas (1960-1980).
O marxismo é um método de análise da realidade. E, mais do que nunca, útil para se compreender a atual crise do capitalismo. O capitalismo, sim, já não é útil, pois promoveu a mais acentuada desigualdade social entre a população do mundo; apoderou-se de riquezas naturais de outros povos; desenvolveu sua face imperialista e monopolista; centrou o equilíbrio do mundo em arsenais nucleares; e disseminou a ideologia neoliberal, que reduz o ser humano a mero consumista submisso aos encantos da mercadoria.
Hoje, o capitalismo é hegemônico no mundo. E de 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta, 4 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecem fome crônica. O capitalismo fracassou para 2/3 da humanidade que não têm acesso a uma vida digna. Onde o cristianismo e o marxismo falam em solidariedade, o capitalismo introduziu a competição; onde falam em cooperação, ele introduziu a concorrência; onde falam em respeito à soberania dos povos, ele introduziu a globocolonização.
A religião não é um método de análise da realidade. O marxismo não é uma religião. A luz que a fé projeta sobre a realidade é, queira ou não o Vaticano, sempre mediatizada por uma ideologia. A ideologia neoliberal, que identifica capitalismo e democracia, hoje impera na consciência de muitos cristãos e os impede de perceber que o capitalismo é intrinsecamente perverso. A Igreja Católica, muitas vezes, é conivente com o capitalismo porque este a cobre de privilégios e lhe franqueia uma liberdade que é negada, pela pobreza, a milhões de seres humanos.
Ora, já está provado que o capitalismo não assegura um futuro digno para a humanidade. Bento XVI o admitiu ao afirmar que devemos buscar novos modelos. O marxismo, ao analisar as contradições e insuficiências do capitalismo, nos abre uma porta de esperança a uma sociedade que os católicos, na celebração eucarística, caracterizam como o mundo em que todos haverão de "partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano". A isso Marx chamou de socialismo.
O arcebispo católico de Munique, Reinhard Marx lançou, em 2011, um livro intitulado O Capital – um legado a favor da humanidade. A capa contém as mesmas cores e fontes gráficas da primeira edição de O Capital, de Karl Marx, publicada em Hamburgo, em 1867."Marx não está morto e é preciso levá-lo a sério", disse o prelado por ocasião do lançamento da obra. "Há que se confrontar com a obra de Karl Marx, que nos ajuda a entender as teorias da acumulação capitalista e o mercantilismo. Isso não significa deixar-se atrair pelas aberrações e atrocidades cometidas em seu nome no século 20".
O autor do novo O Capital, nomeado cardeal por Bento XVI em novembro de 2010, qualifica de "sociais-éticos" os princípios defendidos em seu livro, critica o capitalismo neoliberal, qualifica a especulação de "selvagem" e "pecado", e advoga que a economia precisa ser redesenhada segundo normas éticas de uma nova ordem econômica e política."As regras do jogo devem ter qualidade ética. Nesse sentido, a doutrina social da Igreja é crítica frente ao capitalismo", afirma o arcebispo.
O livro se inicia com uma carta de Reinhard Marx a Karl Marx, a quem chama de "querido homônimo", falecido em 1883. Roga-lhe reconhecer agora seu equívoco quanto à inexistência de Deus. O que sugere, nas entrelinhas, que o autor do Manifesto Comunista se encontra entre os que, do outro lado da vida, desfrutam da visão beatífica de Deus.
[Escritor, autor do romance Um homem chamado Jesus (Rocco), entre outros livros -

Entrevista com estudante da Fundação Santo André sobre as perseguições políticas da reitoria aos lutadores






domingo, 15 de abril de 2012

Anencefalia: STF aprova interrupção da gravidez

No fim do dia, após o resultado, um grupo de feministas comemorou a decisão da Suprema Corte na Praça dos Três Poderes
13/04/2012
Carolina Pimentel e Daniella Jinkings
  
Por 8 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu autorizar a mulher a interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos, sem que a prática configure aborto criminoso. Durante dois dias de julgamento, a maioria dos ministros do STF considerou procedente ação movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que tramita na Corte desde 2004.
Último ministro a se manifestar, o presidente do STF, Cezar Peluso, votou contrariamente à interrupção da gravidez. O outro voto contrário foi o do ministro Ricardo Lewandowski. Para Peluso, não se pode impor pena capital ao feto anencefálico, “reduzindo-o à condição de lixo”.
Segundo o ministro, o feto, portador de anencefalia ou não, tem vida e, por isso, a interrupção da gestação pode ser considerada crime nesses casos. “É possível imaginar o ponderável risco que, se julgada procedente essa ação, mulheres entrem a pleitear igual tratamento jurídico na hipótese de outras anomalias”.
Os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Gilmar Mendes e Celso de Mello se posicionaram a favor da ação. O ministro Antonio Dias Toffoli se declarou impedido de votar, porque quando era advogado-geral da União (AGU) posicionou-se favorável à interrupção. Por isso, dos 11 ministros da Corte, somente dez participaram do julgamento.
Os sete ministros favoráveis acompanharam a tese do relator, Marco Aurélio Mello. Ele considerou que a mulher que optar pelo fim da gestação de anencéfalo (malformação do tubo neural, do cérebro) poderá fazê-lo sem ser tipificado como aborto ilegal. Atualmente, a legislação permite o aborto somente em caso de estupro ou de risco à saúde da grávida. Fora dessas situações, a mulher que interromper a gravidez pode ser condenada de um a três anos de prisão e o médico, de um a quatro anos. Nos últimos anos, mulheres tiveram de recorrer a ordens judiciais para interromper esse tipo de gestação.
Os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello tentaram acrescentar ainda a condição de que, para fazer o aborto, a mulher precisaria de dois laudos médicos distintos que comprovassem a anencefalia do feto. Mas, essa condicionante foi recusada pelo plenário.
Durante a declaração do resultado, Maria Angélica de Oliveira, que acompanhava o julgamento, se manifestou contra a decisão com gritos e ofensas aos ministros. "Não respeito toga manchada de sangue", disse. Ela declarou ser integrante de um movimento espírita. No entanto, representantes da Federação Espírita Brasileira negaram a autoridade da mulher para falar em nome da entidade.
Durante os dois dias, religiosos contrários à legalização do aborto de anencéfalos fizeram uma vigília e orações pela não aprovação da medida. No fim da tarde desta quinta-feira (12), após o resultado, um grupo de feministas comemorou a decisão da Suprema Corte na Praça dos Três Poderes.
A anencefalia é uma má-formação fetal congênita e irreversível, conhecida como “ausência de cérebro”, que leva à morte da criança poucas horas depois do parto. Em 65% dos casos, segundo a CNTS, a morte do feto é registrada ainda no útero. O Código Penal só permite o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez for resultado de estupro. No primeiro caso, o médico não precisa de autorização judicial.