sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Criminalizar para poder higienizar

Por Thais Menezes
Temerosos dos ascensos populares motivados pelos ataques aos direitos dos trabalhadores nas economias centrais, com as ameaças dos pacotes de medidas de austeridade, os Governos de todo o mundo têm respondido às mobilizações do povo com muita repressão, autoritarismo e violência, tentando retomar o “controle” da situação.  Neste contexto, manifestações de cunho fascista, xenófobo, homofóbico, higienista e ditatorial têm tomado força e aproveitado as dificuldades impostas pela crise para tentar se colocar como alternativa política e garantir que a sociedade continue sendo comandada cada vez mais por uma minoria.
Nota-se que para além de manifestações individuais ou de grupos de extrema direita, nos últimos tempos temos assistido com maior frequência tentativas de consolidação de políticas autoritárias pelos próprios governos. Em São Paulo, apoiando-se no discurso de acabar com a corrupção, desde 2008, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) tem iniciado a “coronelização” de sua gestão. Dos 31 subprefeitos da cidade, 25 são oficiais reserva da Polícia Militar.
 Em momentos de crise, o perigo de cair em engodos tem seu potencial aumentado pelo desespero causado pelas dificuldades materiais, assim, a população tende a legitimar mais facilmente políticas repressivas. A burguesia e seus governos, maiores interessados na aplicação de tais políticas, cavam sua legitimação por meio de pequenas e aparentemente inofensivas ações, plantando cuidadosamente sementes para colher o apoio popular à aplicação de políticas futuras.
Um exemplo disto é a tentativa de aplicação da política de internação compulsória para usuários de drogas em situação de rua. No Rio de Janeiro a política já está sendo aplicada e vemos uma verdadeira guerrilha urbana onde pessoas que moram nas ruas são caçadas arbitrariamente por Guardas Civis Metropolitanos e Policiais Militares e jogadas em camburões com destino a clínicas de reabilitação parceiras da prefeitura. Em São Paulo, setores interessados na política já buscam sua aprovação. Não há, porém, uma política social posterior à internação destas pessoas, com garantias que possibilitem uma real mudança de vida, evidenciando que o Estado posteriormente as jogará novamente onde as encontrou, na sarjeta, suscetíveis às mesmas violências e carências de antes de sua captura para o “tratamento”.
Mas o interesse de alguns setores na boa aceitação por parte da população da política de internação compulsória é tão grande que fez a mídia se afundar recentemente em uma intensiva empreitada já desde o início do ano na tentativa de demonizar a imagem da população em situação de rua por meio de programas de TV, especiais sobre  a cracolândia paulista, etc. O processo de passar uma imagem que animalize estas pessoas começa por tentar convencer a todos que elas são todas violentas, criminosas e completamente fora-de-si, incapazes de responder pelos seus atos, ou seja, representam uma verdadeira ameaça à sociedade. Nesta lógica se propaga a ideia de que alguém precisa as controlar, mesmo que forçadamente.
Porém, quem trabalha ou convive com pessoas em situação de rua sabe que sua realidade é muito mais multifacetada do que mostra a TV. Estas pessoas passam seus dias, como qualquer um, em atividades variadas, têm vontades variadas, como qualquer outro ser humano. Porém, suas formas de sustento são peculiares à situação de miséria em que vivem nas ruas. Diferente de um trabalhador comum, as formas de sustento dessa população a expõe a situações de risco ainda maiores, mas o interessante é que, dentre estas formas, a mendicância e a prostituição são muito mais largamente utilizadas para manter a subsistência e alimentar os vícios nas ruas do que o furto, por exemplo, tão alardeado pela mídia ultimamente, usado como ferramenta de demonização de crianças e adolescentes em situação de rua no tão explorado caso das meninas que furtavam na região da Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo. Reportagens como estas, são, portanto, apenas recortes cuidadosamente selecionados que mostram imagens apelativas e montagens tendenciosas de fatos acontecidos nas ruas que não condizem com a totalidade da vida destas pessoas que as habitam, abrindo assim espaço para a legitimação de políticas de higienização que só favorecem os interesses de minorias.
A especulação imobiliária, por exemplo, está de olho nos terrenos da área central da cidade já há tempos, e a população de rua representa um grande obstáculo aos seus projetos lucrativos. Grandes contratos com proprietários de clínicas de tratamento para a drogadição já estão fechados em São Paulo e preveem o pagamento por parte da prefeitura de cerca de R$ 2000 por mês por cada criança capturada nas ruas e internada compulsoriamente em um de seus leitos.
Representantes da burguesia no governo defendem políticas repressivas e ditatoriais como esta para supostamente resolver um problema social complexo como este usando como muleta o falso discurso do “cuidar”, principalmente quando o assunto é crianças e/ou adolescentes. Em situação de rua.  A questão que não pode ser esquecida para que o debate seja de fato coerente é que ninguém quis saber de cuidar dessas pessoas durante o decorrer de toda a sua vida, ninguém às garantiu saúde, nem educação, muito menos moradia digna. O agravante aparece no fato de que a garantia destes direitos por meio de investimentos maiores na saúde, educação e habitação não só à população em situação de rua, mas também a todos os trabalhadores claramente não está nos projetos prioritários de nenhum governo em um sistema capitalista.
Outra manifestação da militarização do Estado e do avanço nas políticas repressivas é a instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro. Sob o pretexto de enfrentar o narcotráfico, esta política instala unidades militares que formam nitidamente um cordão de isolamento e sitiam a população mais pobre, mantendo-a longe das áreas mais nobres da cidade e principalmente dos locais que serão utilizados pelo turismo esportivo dos grandes eventos que o Brasil irá sediar nos próximos anos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. As UPPs são a legitimação de uma vigia permanente das favelas por parte do Estado e abrem espaço para uma atuação ainda mais arbitrária e violenta da polícia frente ao povo pobre.
As UPPs são uma grande expressão do caráter anti-democrático e higienista das medidas que tem sido aplicadas pela burguesia para resolver os problemas que possam vir a afetar seus lucros. Recentemente o exercito foi autorizado a inclusive revistar as casas dos moradores do Conjunto do Alemão e da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, configurando um cenário que praticamente remonta os tempos da ditadura militar. Antes da revista, mensagens de ameaça à não colaboração na operação são reproduzidas pelo exército por um auto falante.
Assim, parte-se do pressuposto que toda a periferia é criminosa, mesmo que reconhecidamente sendo majoritariamente composta por trabalhadores, parte-se do pressuposto que todo adulto ou criança que more nas ruas é extremamente perigoso e, no fim das contas, com exceção da classe média e da burguesia, dá-se um cheque em branco para o Estado perseguir, reprimir, controlar e inclusive exterminar quem bem entender.
 Thais Menezes é educadora social em São Paulo e militante do Espaço Socialista

domingo, 13 de novembro de 2011

O transbordo do copo de cólera - Entrevista com Michael Löwy

Juliana Sayuri - O Estado de S.Paulo
Quando era um jovem de 18 anos, estudante de ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), ainda nos tempos da Rua Maria Antônia, ele assistia às conferências de Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Giannotti, Otávio Ianni e Paul Singer, mentores que o convidaram a participar do prestigiado núcleo de estudos de O Capital. Aos 26, pupilo de Lucien Goldmann e laureado sociólogo pela Sorbonne, em Paris, foi estudar hebraico num kibutz e lecionar história na Universidade de Tel-Aviv, em Israel. Aos 30, com o Maio de 68 sacudindo a França, recebeu (e aceitou) um convite para lecionar na Universidade de Manchester, na Inglaterra. Em 1970, ainda longe dos 40, descobriu-se persona non grata no Brasil do general Médici, tornou-se um judeu paulistano sem passaporte brasileiro e se estabeleceu definitivamente em Paris para estudar Marx, Lukács e Guevara.
Estudantes em confronto com a PM na USP - ANDRE LESSA/AE
ANDRE LESSA/AE
Estudantes em confronto com a PM na USP
Agora, rejuvenescido aos 73, o sociólogo Michael Löwy anda entusiasmado com a volta dos estudantes às ruas brandindo livros de Marx e Walter Benjamin. "Não pode haver um movimento que não se refira às lutas, às vítimas, aos mártires e aos pensadores do passado porque nós nunca partimos do zero", diz. Objeto de estudo em As Utopias de Michael Löwy: Reflexões sobre um Marxista Insubordinado, de Ivana Jinkings e João Alexandre Peschanski (Boitempo, 2007), organizador de Revoluções (da mesma editora) e atualmente pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) de Paris, nas últimas semanas Löwy acompanhou o noticiário da ocupação (e a posterior desocupação) da reitoria da USP. Interpretou como "faíscas" o clamor dos estudantes contra a presença policial e os berros por liberdade para se fumar maconha no câmpus. "O que se passa é muito maior que isso. Há uma indignação com a ordem das coisas no mundo. Um sentimento de cólera. E, diante dessa percepção de injustiça, os estudantes têm um papel essencial, começando movimentos de protesto. Não podemos subestimá-los." A seguir, a entrevista que Löwy concedeu ao Aliás, por telefone, de sua residência na capital francesa.
Estudantes ocupando praças em Nova York, Madri, ruas em Santiago, a reitoria na USP. Estamos diante de um arrastão de rebeldia ou são episódios isolados?
Não são episódios isolados. São parte de um processo internacional que lembra os anos 1960. Quando há um sentimento de injustiça e insatisfação na sociedade, os estudantes são os primeiros a se organizar e a protestar. Agora, na maioria dos casos, seja na Europa, no Chile ou nos Estados Unidos, não são apenas estudantes. É a juventude em geral. Os estudantes naturalmente têm um papel importante, mas é um movimento bem mais amplo, ao qual vão se agregando outros grupos - desempregados, trabalhadores, sindicalistas. Torna-se algo muito plural. O que há de comum é a indignação. Essa palavra está servindo como um sinal de identidade dos protestos. Há uma indignação muito grande que pode estourar por com um pretexto mínimo. No caso de São Paulo foi uma intervenção policial na USP. Mas poderia ter sido outra faísca.
Indignação com o quê? No caso da USP, pode-se ter a impressão de que é com a impossibilidade de fumar maconha no câmpus.
É muito maior que isso. Há uma indignação com a ordem das coisas no mundo. Um sentimento de cólera - e cólera com alta qualidade ética e política. O começo de qualquer movimento ou mudança social sempre se dá com um estado de espírito indignado, a começar na juventude. E fácil de entender o porquê de tanta indignação. Estamos numa situação em que a ordem social parece cada vez mais irracional, promovendo desigualdades gritantes, promovendo os excessos do mercado financeiro, a destruição do meio ambiente. As razões para a indignação são evidentes. Têm a ver com o sistema. Por mais que comece com uma história de maconha e confronto com a polícia, acaba se transformando em um protesto antissistêmico. Em última análise, o objeto de indignação é o poder exorbitante do capital mostrando a sua irracionalidade e desumanidade. Muitas vezes, isso é formulado explicitamente nesses termos. Outras, não. Mas a questão está subjacente em todos os protestos recentes. Nós, sociólogos, precisamos tentar entender por que isso não começou mais cedo. Porque as razões para a indignação já existiam. Pelo jeito, foi necessário uma acumulação de descontentamento e um sentimento de que não é mais possível tolerar tal situação. E de que é preciso se revoltar, sabendo ou não se se conseguirá impor alguma mudança. Há um imperativo categórico de revolta, no sentido kantiano. Há coisas que você precisa fazer, mesmo sem ter certeza de em que vai dar. E quanto maior a participação ativa dos jovens, dos estudantes e de outros setores, cria-se uma relação de forças que pode pelo menos impor limites ao sistema e, sobretudo, criar uma tomada de consciência. Isso talvez seja o mais importante: a tomada de consciência. O Ocupe Wall Street não conseguiu arranhar o capital financeiro, mas despertou consciência crítica em grandes setores. Eis um evento importante. Histórico até.
Ocupações, greves e passeatas ainda são formas eficazes de protesto?
São as formas clássicas de protesto, que reaparecem sempre. Mas também há formas novas surgindo. Por exemplo, a comunicação através dos meios eletrônicos, como o Facebook e o Twitter, que permitem uma mobilização muito rápida. E as mobilizações de agora têm um caráter festivo, lúdico, com música, dança, festa, o que é próprio da expressão da juventude. O Facebook e o Twitter têm lugar importante, mas não é o caso de mitificá-los. Eles não bastam. Para que alguma coisa aconteça, você tem que sair de sua casa, descer à rua, reunir-se com outras pessoas, ir lá, brigar, protestar, talvez enfrentar a polícia. Então, o Facebook é um suporte, não vai substituir a ação direta das pessoas.
A juventude tem voz além do Facebook? Ela se sente representada politicamente?
Pouco, porque a representação política está nas mãos de setores sociais mais acomodados e de "mais idade". Os jovens não se sentem representados. Há uma grande desconfiança em relação aos partidos e às instituições políticas existentes. Há certo rechaço a isso, muitas vezes com razão. Uma atitude cética diante da política institucional. Mas isso não quer dizer que haja desinteresse por eventos políticos. No meu tempo de aluno da FFLCH, nos anos 50, poucos estudantes achavam necessário ou sentiam vontade de se engajar em organizações políticas. Havia politização, mobilização em torno de determinadas causas, mas atividade política organizada era para uma minoria. Tenho a impressão de que atualmente a politização e a militância política são maiores do que nos anos 50, mas menores do que nos 60 e 70, durante a ditadura militar.
E podemos interpretar os protestos como um grito por participação política?
Analisemos o caso do Chile, que teve o movimento mais amplo até agora. Não é só um grito, é um protesto em cima de uma questão concreta: a privatização do ensino público desenvolvida no governo Pinochet, que não foi mudada pelos governos de centro-direita ou centro-esquerda que o sucederam. Trata-se de uma questão que concerne a todos os estudantes: o quase desaparecimento do ensino público gratuito, os preços exorbitantes da educação. E isso se coloca também no Brasil, na Inglaterra. Por toda a parte há essa tendência de transformar a educação em mercadoria, em indústria que deve dar lucro. E assim vai desaparecendo a educação pública gratuita, que era uma conquista de muitos anos de luta. O protesto dos estudantes chilenos começou criticando a privatização do ensino e depois tomou um caráter mais amplo, porque eles perceberam que os problemas na educação são parte de uma orientação geral de um sistema neoliberal. Notaram que esse modelo de educação é inseparável de questões maiores e, assim, o movimento ganha apoio de outros setores da sociedade.
A ideia de autonomia universitária está sendo colocada em xeque?
Autonomia universitária significa que o papel da universidade é transmitir conhecimento, cultura, ciência - e não mercadorias. Quando o papel do ensino se resume a permitir que estudantes adquiram um diploma, ou a prepará-los para encontrar um posto a serviço do management, do marketing, perde-se a qualidade humana, cultural e pedagógica da universidade. As universidades estão se tornando meras empresas voltadas para a produtividade, a racionalidade instrumental mercantil. E, obviamente, boa parte dos estudantes e professores resiste a isso, defende o estatuto da universidade como lugar de produção de cultura e conhecimento, com autonomia em relação ao mercado, à economia e às empresas.
No caso da USP, os estudantes se tornaram massa de manobra de partidos e sindicatos?
Não, pelo contrário. Há uma relação de desconfiança dos estudantes em relação aos sindicatos e sobretudo aos partidos. Uma parte do movimento sindical, geralmente a parte mais radical, se aproxima do movimento estudantil em busca de aliança. Mesmo que haja certo interesse dos jovens nessa aliança, ela não se dá com facilidade, porque os objetivos dos sindicatos são mais limitados. Os ritmos não são os mesmos, a cultura política não é a mesma. Então, há uma diferença que dificulta essa aliança. Mas, para os estudantes, é importante conseguir criar uma situação em que os sindicatos resolvam participar da mobilização. Isso tem acontecido no Chile, na Espanha, na Grécia, nos EUA. Longe de serem manipulados pelos sindicatos, esses movimentos de protesto têm grande autonomia. Eles buscam estabelecer a aliança, mas não no sentido de se tornarem apêndice dos sindicatos. Com os partidos políticos é mais complicado, porque a desconfiança é maior. Não há um único partido que controle ou manipule esses movimentos mundo afora.
Ao serem presos, estudantes da USP brandiam livros de Marx, Foucault e Walter Benjamin, imagens de Mao e Che Guevara. Essas referências continuam atuais?
É normal que cada vez que apareça um movimento de crítica antissistêmica as pessoas se refiram a personagens e pensadores que já exprimiram essa crítica. Então, Marx aparece como referência importante, porque ele foi o primeiro a elaborar uma crítica radical do sistema capitalista. Em muitos pontos, essa crítica é até mais atual hoje do que na época em que ele a escreveu. Fico feliz de saber que há estudantes que se referem ao pensamento desses autores. Benjamin tem uma reflexão profunda sobre o que é a modernidade capitalista, a ideologia do progresso. Ele dá elementos que Marx não dava. Guevara também é importante, sobretudo, como homem de ação e símbolo do compromisso ético com os ideais de libertação e emancipação. Tudo isso é necessário. Não pode haver um movimento, qualquer que seja, que não se refira às lutas, às vítimas, aos mártires e aos pensadores do passado, porque nós nunca partimos do zero. Mas, evidentemente, isso não basta. Precisamos também pensar com novos instrumentos teóricos para dar conta das questões que estão aparecendo neste começo do século 21. Por exemplo, a catástrofe ecológica que está se perfilando. Ela precisa de uma reflexão atual, utilizando elementos teóricos mais atualizados.
O sr. é um estudioso das revoluções dos séculos 19 e 20. Qual foi o papel dos jovens e estudantes nelas?
Depende, porque as revoluções são diferentes entre si. Em geral se pode dizer que a juventude sempre jogou um papel importante em qualquer movimento revolucionário. É uma constante. Movimentos revolucionários são levados por jovens, muitas vezes. Agora, se são estudantes ou não, isso depende da época, do país. Na Revolução Russa os estudantes não tiveram muito espaço. Na Revolução Cubana, sim. O Maio de 1968 em Paris foi um movimento totalmente estudantil. E um dos gatilhos foi a invasão da Sorbonne pela polícia. Na França, ainda hoje, a polícia entra raramente na universidade. Justamente porque se sabe que há o estatuto de autonomia das universidades e intervenções policiais provocam a reação dos estudantes. A polícia simboliza o autoritarismo do Estado contra a juventude, contra os estudantes. Esse choque com a polícia é frequente e, em certas circunstâncias, se transforma na faísca que mencionei antes, a que faz um protesto eclodir. Não podemos subestimar o papel dos estudantes nas revoluções.
Os da USP foram chamados de bichos grilos de grife, filhinhos de papai, rebeldes sem causa, maconheiros mimados... Como o sr. avalia esse tipo de tratamento?
Qualquer questionamento da ordem sempre é ridicularizado. Agora, sobre os estudantes serem meninos ricos... É uma mitificação, porque a maioria deles é de origem popular. Não são filhos de latifundiários, como eram os estudantes de antes da 2ª Guerra Mundial. Hoje em dia, a educação se tornou mais popular. Sobre a maconha: na minha opinião, não há razão para transformar o consumo de maconha em assunto de polícia. A maconha não é nem melhor nem pior do que o tabaco e a cerveja e tem um caráter bem diferente das drogas mais perigosas, como cocaína e crack. Então, essa reivindicação de descriminalizar o consumo da maconha me parece bastante razoável. Mas isso foi só um pretexto, porque em cima do tema se armou uma briga e, quando se manifestou o autoritarismo da polícia e do governo, aí assim o protesto cresceu. Muitos estudantes que aderiram à manifestação não o fizeram devido à questão da maconha e sim devido à repressão indiscriminada e arbitrária sobre alunos.
A sociedade brasileira clama por ordem?
Não é a sociedade em seu conjunto que se volta contra os estudantes com esse discurso de ordem e repressão. É a imprensa e os representantes da ordem e do governo. Eu me pergunto se parte da população não simpatiza com esses protestos da USP. Pelo menos foi o caso em outros países onde protestos dos jovens e estudantes se tornaram a expressão de um grande movimento popular. Não estou dizendo que isso vá acontecer já no Brasil, mas não há essa dicotomia entre jovens e estudantes de um lado e o restante da sociedade do outro. Essa separação é do interesse da classe dominante, dos governantes mais reacionários, como tentativa de mobilizar a população contra os estudantes.
O governador Geraldo Alckmin disse que os estudantes da USP precisavam de uma aula de democracia...
Nós sabemos que no Brasil não há nada mais democrático do que a Polícia Militar (risos). Ela tem uma tradição de várias dezenas de anos de democracia, não é? Democracia do cassetete - que não acho que deva ser a forma mais avançada de democracia. Não deve ser muito sério o argumento do sr. Alckmin. Uma intervenção policial brutal não tem nada de democrático.
Alguns autores contemporâneos, como o irlandês John Holloway, valorizam a articulação dos novos movimentos. Ao contrário do que dizia Marx, agora é possível mudar o mundo sem tomar o poder?
Holloway me deu o livro dele e pediu para que eu fizesse uma resenha, sabendo que eu iria criticá-lo. O livro Mudar o Mundo sem Tomar o Poder tem muitas ideias interessantes e toda a crítica que ele faz ao sistema me parece muito profunda. Mas acho que a proposta dele não faz sentido, porque qualquer ação social e política inevitavelmente implica uma forma de poder ou de contrapoder. O que se coloca é garantir que esse poder seja efetivamente democrático. O movimento, ele mesmo, tem formas de poder, de organização e de gestão democrática. Protesto, revolta e revolução, tudo isso não pode existir se não houver uma organização de uma forma de poder. Não podemos contornar a questão do poder, porque na política não existe vazio. A necessidade é que esse poder seja democrático. Essa é a resposta.
No livro Revoluções, o sr. destaca como os revolucionários muitas vezes são vencidos pela história. Os estudantes de hoje serão vencidos?
Não posso dizer. Mas podemos já constatar, nos países árabes concretamente, que esses movimentos de protestos da juventude não foram vencidos. Eles derrubaram duas ditaduras sinistras, na Tunísia e no Egito, com uma mobilização desarmada. Não estou dizendo que isso será uma regra, mas mostra que não há nenhuma fatalidade. As revoluções são sempre imprevisíveis, acontecem onde ninguém espera.
SOCIÓLOGO E PESQUISADOR DO CENTRE NATIONAL DE LA RECHERCHE SCIENTIFIQUE (CNRS), DE PARIS

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Nota da reunião de pós-graduandos da FFLCH-USP sobre a Ocupação

Prezados estudantes, funcionários e professores, No dia 03/11/2011, aproximadamente 100 alunos da pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP nos reunimos para debater a a crise que resultou da atuação da Polícia Militar no campus do Butantã.A reunião foi convocada por iniciativa de alguns estudantes de pós-graduação da USP, marcadamente da Faculdade de Filosofia, que consideravam urgente a necessidade de ampliar o debate em torno da política de segurança da Universidade, particularmente depois da temerária atuação da Polícia Militar na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas no dia 27 de outubro de 2011, quando depois de realizar revistas sistemáticas durante todo o dia, a PM autuou dois estudantes que fumavam maconha.   Na reunião, debatemos diversas questões relativas aos últimos acontecimentos: atuação da Polícia Militar, a atuação dos advogados que intercederam pelos estudantes no dia da abordagem aos alunos da FFLCH, a ocupação e desocupação do Prédio da Administração da FFLCH, o pronunciamento da Congregação da FFLCH de 31 de outubro, o andamento das Assembleias Gerais dos estudantes, a ocupação da reitoria e condições da reintegração de posse da mesma. Realizamos, também, diversas avaliações que ponderavam sobre a necessidade e importância da atuação dos alunos de pós-graduação, apontando temas como: a atual divisão interna do movimento estudantil entre o DCE e o movimento de ocupação; o problema da autonomia universitária; as consequências do  fechamento da cidade universitária à comunidade; a questão da desmilitarização da polícia e da descriminalização das drogas; a necessidade de melhores argumentos para dialogar com a sociedade sobre o tema da segurança e de propostas de melhoria na segurança da USP; a presença da repressão e de uma política manicomial no CRUSP; a existência de processos e perseguição política na USP, bem como de assédio moral contra funcionários e estudantes; a necessidade de uma reorganização da Associação dos Pós-Graduandos-da USP, campi da Capital (APG-USP/Capital). As deliberações relativas às pautas debatidas resultaram nas seguintes posições:- 

- Pela retirada imediata dos processos de perseguição política na USP.
- Por uma saída negociada da ocupação da reitoria: SEM MAIS VIOLÊNCIA.
- Pela suspensão do Convênio USP/PM e debate com a comunidade sobre melhoria da segurança.
- Criação de uma Comissão de Esclarecimento e Informação sobre os últimos eventos.                 


Tendo em vista as questões supracitadas e a necessidade de um posicionamento da pós-graduação em relação aos últimos eventos decidimos convocar uma Assembleia de Pós-Graduandos da USP/Capital para a próxima Quinta-Feira, 10/11/2011, às 18hrs na sala 108 do Prédio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, com o indicativo de tirarmos um calendário de debates para as próximas semanas,
Atenciosamente,

Estudantes de pos-graduação da FFLCH reunidos no dia 03 de Novembro de 201

domingo, 6 de novembro de 2011

O movimento estudantil pega fogo na Amazônia

Por
Felipe Milanez (Carta Capital 06/11/2011

Os professores da Universidade Federal de Rondônia (Unir) estão assustados. Desde a prisão do professor de história Valdir Aparecido de Sousa, em 21 de outubro, por policiais federais à paisana, em cenas de truculência que circularam em um vídeo na internet(ASSISTA), os professores grevistas evitam se expor. Sousa está solto, em liberdade provisória, mas precisa seguir uma série de determinações imposta pela Justiça, como não se reunir com os grevistas.
Segundo os policiais, ele era suspeito de ter jogado uma bomba durante a confusão (até agora, sem provas nem acusação formal). Junto do professor de história, foi levada uma câmera de outro professor, de biologia, que filmava e fotografava a confusão – algumas cenas mostram um dos policias com arma em punho em meio a estudante e professores. A câmera foi, depois, recuperada, mas o biólogo decidiu se afastar por um tempo da cidade de Porto Velho, temendo represálias.
A greve na Unir, que já dura cerca de dois meses, não tem data para acabar e deve virar o ano. As negociações estão emperradas. Alunos e professores estão unidos contra o reitor  José Januário de Oliveira Amaral. Alguns afirmam estar sendo seguidos pela cidade e sofrendo intimidações.
A reportagem falou com um dos professores do Comando de Greve, que pediu para não ser identificado. “Alguns professores tem procurado dormir em locais diferentes para não sofrer nem um atentado”, afirma. “O negócio aqui tá feio”.
O que está acontecendo na UNIR?
A Universidade Federal de Rondônia tem 29 anos e 7 campi. Segundo o professor grevista, sua história está marcada por intervenção e manutenção de um mesmo grupo no poder, o atual reitor está na reitoria há 9 anos, e sua gestão é marcada pela falta de pragmatismo e conselhos submissos aprovando sua decisões através de Ad referendum.
Estrutura da faculdade está penosa. Foto: Narcísio Costa Bigio/Divulgação
A partir disso, na visão dos grevistas, ele teria uma crise de confiança na Administração Superior, os professores que apoiam o Reitor são favorecidos, as verbas e vagas de docentes oriundas do REUNI são utilizadas através de manobras políticas para favorecer os amigos. Com isso a Universidade não se estruturou corretamente para executar a sua função, que é disponibilizar um acesso à educação de qualidade. Os professores necessitam comprar os equipamentos básicos para dar aula, e até brigar com colegas para ter acesso a uma sala de aula para lecionar.
Muitos professores, cansados de brigar por condições básicas de trabalho, saem da UNIR, ou passam em outro concurso, ou conseguem transferência por apresentarem problemas psicológico ou por sofrerem ameaças depois de denunciar as irregularidades no Ministério Público.
Para exemplificar os cursos de Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Engenharia de Alimentos, Engenharia Florestal, Agronomia, Veterinária não abriram vagas no último vestibular por falta de salas de aula.
Outro problema é a Fundação de Apoio da Universidade, Fundação Riomar, que tem as suas contas bloqueadas e está sendo investigada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), mesmo o Reitor sabendo das denúncias de desvio não fez nada para sanar os problemas, e vários projetos de Professores da UNIR foram inviabilizados ou encerrados devido aos enormes desvios. Segundo a nota do Ministério Público existe a possibilidade do Januário estar envolvido.
Além disso, na última semana o laudo técnico do corpo de bombeiros diz que o campus de Porto Velho apresenta risco de vida aos alunos e professores.”
Quase dois meses
A universidade está em greve há 49 dias e o prédio da Reitoria está ocupado pelos estudantes há 28 dias.
Pátio na universidade: construção ou ruína? Foto: Narcísio Costa Bigio/Divulgação
As reivindicações básicas são: limpeza nos campi, contratação de professores e de técnico-administrativos, construção de laboratórios, construção de Restaurantes Universitários, Hospital Universitário, implantação do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), transparência nas ações administrativas e prestação de contas sobre os recursos repassados para os projetos especiais como REUNI e FINEP.
E a principal é o afastamento do Reitor, já que, para os estudantes e funcionários, o mesmo não possui condições éticas nem administrativas de continuar no cargo, tampouco possui legitimidade entre os professores e alunos para continuar no cargo.
CartaCapital: Quais os entraves nas negociações?Professor: Em 2008, na gestão anterior do atual Reitor, assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no qual se comprometia em resolver os mesmos problemas que a UNIR sofre hoje.
Carteiras guardadas com entulho. Foto: Narcísio Costa Bigio/Divulgação
Mesmo com as promessas de 2008, três anos depois os professores e alunos resolveram tentar negociar com o reitor, que respondeu aos comandos de greve que já tinham 95% das reivindicações resolvidas ou sendo resolvidas. Resolvemos então que só negociaríamos com o MEC e pedimos o afastamento imediato do José Januário do Amaral.
Porém mesmo com a vinda do Secretário do Ensino Superior, Professor Luiz Claúdio Costa, o MEC não concordou com o afastamento sem antes fazer um processo de sindicância, os Professores e alunos não concordam com a maneira que o MEC resolveu conduzir, pois acreditamos que as denúncias feitas no relatório de mais de 1.500 páginas que contém provas de improbidade administrativa, má gestão do recurso público, favorecimento de amigos, parentes e empresas, concurso públicos com nomeações irregulares e não comprimento das determinações feitas pelo Ministério Público, tudo isso cabe o afastamento imediato do reitor.
Hoje a população, os deputados federais, senadores, Assembleia Legislativa de Rondônia e outras organizações apoiam a greve, porém o atual Reitor diz que não se afasta e tem como apoiador direto o senador Valdir Raupp (presidente nacional do PMDB), dizendo que a melhor solução para o impasse seria os professores aceitarem o pedido de afastamento por férias de 30 dias e adiantamento da eleição para reitor para o final de 2012.

CC: Houve algum ato de violência ou que o comando de greve considera repressivo?
Professor:
 Nesses 50 dias de greve, ocorreram diversos atos de violência e intimidação. Oito deles listados abaixo.
O primeiro ato de violência ocorreu no dia 29 de setembro, logo depois da saída de representantes do comando de greve da entrevista dada ao Programa Rede de Opiniões da REDE TV RO, um carro não identificado jogaram bombas em direção dos grevistas.
O segundo ato de violência foi contra a um dos lideres do movimento estudantil que teve o vidro do seu carro quebrado e nada furtado durante uma manifestação no prédio da reitoria.
O terceiro ato: o Reitor não recebeu os alunos e professores durante assembleia que foi cancelada, a entrada do prédio ficou tomada de agentes da Policia Federal impedindo a entrada.
O quarto ato: membros do comando de greve estão sendo seguidos, nos seus percursos da casa a UNIR.
Um quinto ato de violência é a intimidação: alguns professores tem procurado dormir em locais diferentes para não sofrer nem um atentado.
Sexto ato: em 21 de outubro, um professor de História, Valdir Aparecido de Sousa, foi preso pela Polícia Federal de forma totalmente arbitrária, como foi mostrado num vídeo (ASSISTA AQUI)
Ainda, um sétimo ato documentado: em 24 de outubro, em uma coletiva, o reitor chamou os professores grevistas de vagabundos e os alunos de bandidos, e, por fim, o oitavo ato de retaliação: a Reitoria esse mês não irá pagar as bolsas dos alunos alegando que não puderam fazer a folha já que a reitoria está ocupada, porém o sistema é virtual é pode ser feito de qualquer computador.
CC: A universidade e a educação estão sendo beneficiadas pelos investimentos nas usinas do rio Madeira e o investimento no Estado?
Professor: As Usinas do Madeira tentaram e alguns laboratórios começaram a funcionar através da parceria feita pela UNIR e Usina de Santo Antônio e Jirau. Vários bolsistas, graduados e pesquisadores participam de atividade de pesquisa. Porém a Fundação Riomar, que seria a responsável de repassar as verbas, começou a desviar os recursos e muitos projetos foram suspensos devido à falta de recurso que não foram repassados.
O estado vem auxiliando através de emendas parlamentares, porém os recursos não foram destinados corretamente, como por exemplo o hotel escola criado em Guajará-Mirim que nunca funcionou.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Tarefas das Juventudes Comunistas

V.I. Lênin



(Discurso na I Sessão do III Congresso das Juventudes Comunistas da Rússia – Moscou, 2 de Outubro de 1920) 
(Lênin é recebido com uma calorosa ovação do Congresso)
Camaradas: quisera falar-lhes hoje das tarefas fundamentais da União de Juventudes Comunistas e, por esta razão, do que devem ser as organizações da juventude em uma república socialista em geral.
LeninEste problema merece tanto mais nossa atenção enquanto que, em certo sentido, pode dizer-se que é precisamente a juventude quem está incumbida da tarefa de criar a sociedade comunista. Pois é evidente que a geração de militantes educada sob o regime capitalista pode, no melhor dos casos, resolver a tarefa de destruir os cimentos do velho modo de vida do capitalismo, baseado na exploração. O mais que poderá fazer será levar a cabo as tarefas de organizar um regime social que ajude o proletariado e as classes trabalhadoras a conservar o Poder em suas mãos e criar uma sólida base, sobre a qual poderá edificar unicamente a geração que começa já a trabalhar em condições novas, em uma situação em que já não existem relações de exploração entre os Homens.
Pois bem, ao abordar deste ponto de vista o problema das tarefas da juventude, devo dizer que as tarefas da juventude em geral e da União de Juventudes Comunistas e outras organizações semelhantes em particular, poderiam definir-se em uma só palavra: aprender.