Por Thais Menezes
Temerosos dos ascensos populares motivados pelos ataques aos direitos dos trabalhadores nas economias centrais, com as ameaças dos pacotes de medidas de austeridade, os Governos de todo o mundo têm respondido às mobilizações do povo com muita repressão, autoritarismo e violência, tentando retomar o “controle” da situação. Neste contexto, manifestações de cunho fascista, xenófobo, homofóbico, higienista e ditatorial têm tomado força e aproveitado as dificuldades impostas pela crise para tentar se colocar como alternativa política e garantir que a sociedade continue sendo comandada cada vez mais por uma minoria.
Nota-se que para além de manifestações individuais ou de grupos de extrema direita, nos últimos tempos temos assistido com maior frequência tentativas de consolidação de políticas autoritárias pelos próprios governos. Em São Paulo, apoiando-se no discurso de acabar com a corrupção, desde 2008, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) tem iniciado a “coronelização” de sua gestão. Dos 31 subprefeitos da cidade, 25 são oficiais reserva da Polícia Militar.
Em momentos de crise, o perigo de cair em engodos tem seu potencial aumentado pelo desespero causado pelas dificuldades materiais, assim, a população tende a legitimar mais facilmente políticas repressivas. A burguesia e seus governos, maiores interessados na aplicação de tais políticas, cavam sua legitimação por meio de pequenas e aparentemente inofensivas ações, plantando cuidadosamente sementes para colher o apoio popular à aplicação de políticas futuras.
Um exemplo disto é a tentativa de aplicação da política de internação compulsória para usuários de drogas em situação de rua. No Rio de Janeiro a política já está sendo aplicada e vemos uma verdadeira guerrilha urbana onde pessoas que moram nas ruas são caçadas arbitrariamente por Guardas Civis Metropolitanos e Policiais Militares e jogadas em camburões com destino a clínicas de reabilitação parceiras da prefeitura. Em São Paulo, setores interessados na política já buscam sua aprovação. Não há, porém, uma política social posterior à internação destas pessoas, com garantias que possibilitem uma real mudança de vida, evidenciando que o Estado posteriormente as jogará novamente onde as encontrou, na sarjeta, suscetíveis às mesmas violências e carências de antes de sua captura para o “tratamento”.
Mas o interesse de alguns setores na boa aceitação por parte da população da política de internação compulsória é tão grande que fez a mídia se afundar recentemente em uma intensiva empreitada já desde o início do ano na tentativa de demonizar a imagem da população em situação de rua por meio de programas de TV, especiais sobre a cracolândia paulista, etc. O processo de passar uma imagem que animalize estas pessoas começa por tentar convencer a todos que elas são todas violentas, criminosas e completamente fora-de-si, incapazes de responder pelos seus atos, ou seja, representam uma verdadeira ameaça à sociedade. Nesta lógica se propaga a ideia de que alguém precisa as controlar, mesmo que forçadamente.
Porém, quem trabalha ou convive com pessoas em situação de rua sabe que sua realidade é muito mais multifacetada do que mostra a TV. Estas pessoas passam seus dias, como qualquer um, em atividades variadas, têm vontades variadas, como qualquer outro ser humano. Porém, suas formas de sustento são peculiares à situação de miséria em que vivem nas ruas. Diferente de um trabalhador comum, as formas de sustento dessa população a expõe a situações de risco ainda maiores, mas o interessante é que, dentre estas formas, a mendicância e a prostituição são muito mais largamente utilizadas para manter a subsistência e alimentar os vícios nas ruas do que o furto, por exemplo, tão alardeado pela mídia ultimamente, usado como ferramenta de demonização de crianças e adolescentes em situação de rua no tão explorado caso das meninas que furtavam na região da Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo. Reportagens como estas, são, portanto, apenas recortes cuidadosamente selecionados que mostram imagens apelativas e montagens tendenciosas de fatos acontecidos nas ruas que não condizem com a totalidade da vida destas pessoas que as habitam, abrindo assim espaço para a legitimação de políticas de higienização que só favorecem os interesses de minorias.
A especulação imobiliária, por exemplo, está de olho nos terrenos da área central da cidade já há tempos, e a população de rua representa um grande obstáculo aos seus projetos lucrativos. Grandes contratos com proprietários de clínicas de tratamento para a drogadição já estão fechados em São Paulo e preveem o pagamento por parte da prefeitura de cerca de R$ 2000 por mês por cada criança capturada nas ruas e internada compulsoriamente em um de seus leitos.
Representantes da burguesia no governo defendem políticas repressivas e ditatoriais como esta para supostamente resolver um problema social complexo como este usando como muleta o falso discurso do “cuidar”, principalmente quando o assunto é crianças e/ou adolescentes. Em situação de rua. A questão que não pode ser esquecida para que o debate seja de fato coerente é que ninguém quis saber de cuidar dessas pessoas durante o decorrer de toda a sua vida, ninguém às garantiu saúde, nem educação, muito menos moradia digna. O agravante aparece no fato de que a garantia destes direitos por meio de investimentos maiores na saúde, educação e habitação não só à população em situação de rua, mas também a todos os trabalhadores claramente não está nos projetos prioritários de nenhum governo em um sistema capitalista.
Outra manifestação da militarização do Estado e do avanço nas políticas repressivas é a instalação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio de Janeiro. Sob o pretexto de enfrentar o narcotráfico, esta política instala unidades militares que formam nitidamente um cordão de isolamento e sitiam a população mais pobre, mantendo-a longe das áreas mais nobres da cidade e principalmente dos locais que serão utilizados pelo turismo esportivo dos grandes eventos que o Brasil irá sediar nos próximos anos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. As UPPs são a legitimação de uma vigia permanente das favelas por parte do Estado e abrem espaço para uma atuação ainda mais arbitrária e violenta da polícia frente ao povo pobre.
As UPPs são uma grande expressão do caráter anti-democrático e higienista das medidas que tem sido aplicadas pela burguesia para resolver os problemas que possam vir a afetar seus lucros. Recentemente o exercito foi autorizado a inclusive revistar as casas dos moradores do Conjunto do Alemão e da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, configurando um cenário que praticamente remonta os tempos da ditadura militar. Antes da revista, mensagens de ameaça à não colaboração na operação são reproduzidas pelo exército por um auto falante.
Assim, parte-se do pressuposto que toda a periferia é criminosa, mesmo que reconhecidamente sendo majoritariamente composta por trabalhadores, parte-se do pressuposto que todo adulto ou criança que more nas ruas é extremamente perigoso e, no fim das contas, com exceção da classe média e da burguesia, dá-se um cheque em branco para o Estado perseguir, reprimir, controlar e inclusive exterminar quem bem entender.
Thais Menezes é educadora social em São Paulo e militante do Espaço Socialista
Nenhum comentário:
Postar um comentário