terça-feira, 6 de dezembro de 2011

RESENHA DO LIVRO "O COMBATE SEXUAL DA JUVENTUDE" DE WILHELM REICH


Para além da miséria sexual
 
Por Diana Assunção
Diretora do Sintusp e dirigente da LER-QI
Resenha publicada na Revista Contra a Corrente [Ano 3, nº 6 - 2011] das Edições Centelha Cultural. 

Neste último mês veio a público “O combate sexual da juventude”, de Wilhelm Reich, comentado por Gilson Dantas, médico, militante setentista, editado pela Centelha Cultural. O livro lança luz sobre uma série de questões, e a primeira que aponto é: qual o espaço do debate da sexualidade entre a própria esquerda? Já é de praxe que entre os setores da esquerda, da centro-esquerda e progressistas o debate da opressão seja um tema teoricamente importante. O teoricamente se dá pelo fato de que, na prática, o lugar relegado às opressões não expressa sua importância, pois na maioria das vezes encontra-se à margem da política. Além disso, a luta contra a opressão é quase sempre encarada desde um ponto de vista “reivindicativo”, no que diz respeito às demandas democráticas – em sua maioria mínimas, elementares – ou diretamente à idéia “maximalista”, ainda que correta, de que “só com a revolução socialista se acabará com a opressão”.

Há muito que os marxistas e revolucionários não colocam como parte do combate à opressão, um combate pelo direito à livre sexualidade. É de notar-se, inclusive, que mesmo nos espaços da esquerda o sexo passa a ser um “tabu”, como muitas vezes o é, ainda que “do avesso”, entre a burguesia. Qual foi a última manifestação em que vimos uma bandeira ou uma música que pedia o “direito ao prazer sexual”? Qual foi o último encontro, da juventude, em que discutiu-se sexo e amor? Pelo menos em nosso país não é fácil recordar-se. Daí que chegamos numa triste constatação de que a luta contra a opressão muitas vezes se perde no “reivindicativo” impossibilitando-se de ir até o mais profundo do que significa o controle sexual na sociedade capitalista, que transcende inclusive o tema da opressão em si.

Então para questionar – no mínimo – o fato de que as discussões de sexualidade são adendos nos programas da esquerda, dos sindicatos e de movimentos sociais, e na maioria das vezes estão relegados a espaços “próprios”, onde o oprimido se encontra com outros oprimidos para debater – este processo na maioria das vezes leva ao inverso do que se busca, ao contrário do espaço mais “livre”, que certamente é necessário, leva-se a uma lógica vitimizada do oprimido, mesmo daquele que já deu um passo adiante em sua consciência de classe e compreende que o capitalismo é miserável, principalmente para as mulheres, negros e homossexuais. É para questionar esta idéia que venho saudar a iniciativa da publicação do livro de Wilhelm Reich, onde Gilson Dantas se coloca a tarefa de, desde uma perspectiva marxista revolucionária, “beber da fonte” de Reich e suas idéias, bastante controversas para a época, sobre a sexualidade.

Apesar de ter uma série de publicações mais conhecidas, como “A função social do orgasmo” e “A revolução sexual”, é neste pequeno livro “O combate sexual da juventude” que Reich irá problematizar a questão da sexualidade entre os jovens, desde as questões mais elementares como prevenção e direito ao aborto, até o questionamento da idéia de sexo enquanto reprodução, contrapondo-o à idéia de sexo enquanto fonte de prazer. A isso, Reich pergunta “Mas podemos nós, atualmente, nas condições atuais do capitalismo , dizer à juventude de uma maneira geral: ‘Podeis ter tranquilamente relações sexuais’? Não, não podemos, porque lhe falta todas as condições”.

Reich, que era um militante do Partido Comunista Alemão, defende a tese de que a sexualidade somente será totalmente livre com a Revolução Socialista – ainda que, ao não compreender a situação de degeneração que passavam os PC´s pós-URSS acabava tornando abstrata esta idéia. Daí a importância de uma leitura marxista revolucionária, como apresenta Gilson Dantas nesta publicação, alertando ao leitor tanto sobre questões que já foram superadas como também por aspectos da teoria de Wilhelm Reich que não condizem com o marxismo, negando a dialética. É este o caso, por exemplo, como insiste Dantas, da unilateralização sobre a libertação sexual e a decadência da burguesia.

Mas ao mesmo tempo, Reich demonstra, ao longo do livro, como a sexualidade é parte intrínseca da dominação capitalista, da alienação. “Seria um grande erro acreditar que são assuntos privados sem interesse, porque eles se enraízam na nossa ordem sexual, e na nossa educação capitalista; corrompem a nossa juventude tornando-a além disso muito frequentemente incapaz de lutar”. Aqui podemos recorrer à Gramsci, em “Americanismo e fordismo”, quando também demonstra que, para além da dupla jornada, já conhecidamente um mecanismo que combina opressão e exploração, o controle sobre o tempo livre dos operários e operárias, assim como sobre seu corpo e sexualidade, passam a ser parte da exploração. Gramsci apontava que o industrialismo fordista organizava uma série de campanhas no interior das fábricas, combatendo o alcoolismo e sugerindo a “vida em família”, como forma de manter melhores condições de trabalho.

No “Combate...”, Reich chega a desenvolver aspectos terminados de programa como a distribuição gratuita e generalização da informação sobre métodos contraceptivos, o direito ao aborto, alojamentos para que os jovens possam se independizar de suas família e terem espaço também maior de liberdade sexual, mas vê como essencial para uma juventude revolucionária alimentar-se do mais feroz combate por sua sexualidade, questionando não somente os ditames da ideologia burguesa (sexo como reprodução, hipocrisia nas relações, etc) e suas instituições (família burguesa, casamento, Igreja) como buscando uma nova ideologia, ligada à idéia da Revolução Socialista. Assim Reich coloca o combate sexual da juventude no marco da luta anticapitalista: “Antes da revolução não podemos ajudar muito a massa dos jovens de um ponto de vista sexual, mas é preciso politizar a questão, é preciso transformar a rebelião sexual da juventude, secreta ou aberta, numa luta revolucionária contra a ordem social”. Recentemente o Centro de Estudos Leon Trotsky, da Argentina, publicou o livro “O estado, a mulher e a revolução” da norte-americana Wendy Goldman, que lançou luz sobre estas idéias.

Afinal, é possível ser revolucionário nas relações pessoais, no amor e no sexo, vivendo numa sociedade capitalista? Para isso, Goldman buscou estudar o pós-tomada do poder na Rússia revolucionária e como os bolcheviques encaravam o problema das relações pessoais, do modo de vida, que Trotsky em sua “Teoria da Revolução Permanente”, terminada em 1928, irá caracterizar como parte da lei geral da revolução, quando esta vive sua “metamorfose” interna, contra todos os preconceitos capitalistas que, materialmente destruídos, ainda vivem nos corações e mentes da população.

Mas se hoje não existem as bases econômicas para se realizar o amor livre – e entende-se por amor livre justamente o exercício de um sentimento, não de forma individualista, mas de forma social, livre de todas as relações capitalistas e econômicas que o aprisionam – buscar desconstruir toda a ideologia burguesa em torno do amor, em torno da sexualidade e das relações é um exercício necessário aos revolucionários para, como parte da estratégia decidida pela insurreição proletária, questionarem-se mais profundamente – já que são parte da construção de um mundo novo.

Então, voltar “à Reich” com o olhar marxista, deve ser encarado como parte deste exercício, de recolocar o tema da sexualidade como um aspecto das transformações humanas que almejamos. A burguesia, dizia Reich, não é capaz de encabeçar esta transformação, já que a sociedade capitalista se delicia sobre a opressão do corpo, da sexualidade, a castração da juventude, o medo diante do prazer, a vergonha, o ciúmes, e todos os sentimentos que, em última instância, fazem parte da manutenção de um status quo da família, do estado e sua propriedade privada. Aqui vale ressaltar que Reich, apesar de não condenar ou perseguir a homossexualidade, apresentava posição equivocada, preso à heteronormatividade, caracterizando-a como uma doença. Mesmo com esse equívoco determina que nenhum homossexual pode ser "forçado" a qualquer tratamento (psicanálise) e ninguém pode ameaçar, denunciar ou extorquir os homossexuais. Nesta passagem é fundamental, no livro, levar em conta os comentários de Gilson Dantas.

Por tudo isso, a leitura de “O combate sexual da juventude” é necessária, e devemos buscar inaugurar na esquerda o estudo sobre estes temas que, no profundo da individualidade de cada um, sejam trabalhadores ou trabalhadoras, jovens, estudantes, ocupam grande parte de seus pensamentos já que esta sociedade nos relega enorme miséria nos campos da sexualidade, do amor, das relações pessoais. Como disse Lenin à revolucionária alemã Clara Zetkin “O comunismo não deve trazer o ascetismo, mas a alegria de viver, o vigor, e isso tem a ver com uma vida amorosa plena”. A juventude, em especial, deve se lançar, correndo o risco de errar, sobre estes problemas da vida. Certamente estará mais preparada para revolucionar o mundo, para arrancar o seu futuro, para tomar o céu de assalto com a classe trabalhadora.    



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